Um Procurador de Justiça ouvido pela TV TEM alerta que
contradições em informações do cadastro de proprietários podem indicar o uso de
laranjas no comando de empresas que se relacionam com o Poder Público.
Uma das empresas é a fornecedora dos novos uniformes
escolares, cujo contrato de R$ 7,6 milhões com o município foi suspenso pelo
Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE-SP) por suspeita de
irregularidades.
Endereços divergentes
A reportagem da TV TEM apurou que a proprietária da CB News,
fornecedora dos uniformes no contrato investigado pelo TCE-SP, não reside em
Mauá (SP) no endereço informado na Junta Comercial do Estado (Jucesp).
Segundo registros da Junta, a dona da empresa é Nadyla
Torres de Almeida. A reportagem da TV TEM verificou que no endereço
residencial, em Mauá, quem atende afirma não ter ligação nenhuma com Nadyla.
A TV TEM descobriu que Nadyla vive em um bairro carente em
Diadema, mesma cidade onde mora a antiga proprietária, Camila Souza Costa, que,
conforme consta da Jucesp, ficou à frente da CB News entre junho e agosto de
2022.
Camila responde atualmente na Junta como dona da Global
Atacadista, detentora de um contrato de R$ 3,4 milhões também com a Prefeitura
de Votorantim, para fornecer alimentos para as escolas municipais, como
biscoitos, açúcar e macarrão.
Em outra divergência de dados semelhante à da CB News, o
endereço residencial informado por Camila, na Jucesp, não é o de Diadema, mas
um apartamento desocupado no bairro do Belenzinho, em São Paulo, conforme
verificado pela reportagem da TV TEM.
Vida não reflete os ganhos
A vida das proprietárias não reflete os ganhos das empresas
com as prefeituras, conforme apurado pela TV TEM.
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Nas redes sociais, estilo de vida simples de Nadyla
Torres Almeida contrasta com faturamento milionário da CB News, empresa na qual
figura como proprietária na Jucesp — Foto: TV TEM/Reprodução |
Escolhida para fornecer os novos uniformes escolares em
Votorantim, a CB News tem mais de 60 contratos com prefeituras paulistas desde
2021. Os valores totalizam mais de R$ 90 milhões.
A reportagem da TV TEM apurou que Camila Costa passou o
comando da CB News para Nadyla, em agosto de 2022. A sucessão resultou em
aumento de capital de R$ 250 mil para R$ 1,5 milhão. Atualmente, esse valor
passa dos R$ 5 milhões.
Antes de Nadyla, a CB News era tocada por Camila, desde
junho de 2022, com participação de R$ 125 mil de capital. Ela se desligou em
agosto daquele ano, ao abrir a Global Atacadista, com capital atualizado de R$
6 milhões.
Ao mesmo tempo em que figura como dona da Global Atacadista,
que tem negócios com dez prefeituras, Camila Costa também recebe R$ 750 pelo
programa Bolsa Família, mensalmente, conforme apurado pela TV TEM. A soma dos
benefícios recebidos é de quase R$ 13 mil.
Nadyla não se apresenta nas redes sociais como empresária,
dona da CB News, e não faz qualquer menção à atuação no ramo de uniformes
escolares. Suas postagens revelam a rotina de uma vida simples.
Respostas
Ambas foram procuradas pela reportagem da TV TEM para
explicar as contradições. Camila confirmou por telefone que é proprietária da
Global Atacadista, mas quando indagada sobre o número do CNPJ, se negou a
informar, alegando que é um tipo de informação “restrita”. Da mesma maneira,
ela não quis dizer quais mercadorias a empresa comercializa.
Sobre o fato de ser beneficiária do Bolsa Família, ainda que
conste como proprietária de uma empresa com faturamento milionário, Camila
respondeu que não recebe mais o benefício.
“Isso daí foi muito tempo, minha mãe que recebia, eu não
recebo mais”, afirmou Camila, à TV TEM. Em seguida, completou: “Aliás, eu nunca
recebi. Esse negócio de Bolsa Família, eles estão tirando e colocando um monte
de gente, né, às vezes acaba confundindo alguma coisa lá”.
Camila negou conhecer Nadyla Torres de Almeida, com quem
trocou o comando da CB News em agosto de 2022. Quando perguntada sobre o fato
de residir em Diadema e não no Belenzinho, em São Paulo, conforme informado
pela Global Atacadista na Jucesp, a ligação telefônica foi desligada.
Além de procurar Nadyla no endereço em Mauá informado na
Jucesp, a reportagem da TV TEM também foi até a sede da CB News, em São Paulo.
Uma funcionária informou para a equipe que a empresária despacha ali, mas
estava ausente no momento. Por telefone, nenhuma das tentativas de contato da
equipe obteve sucesso.
Por telefone, Nadyla não atendeu a nenhuma ligação.
Respondeu pela caixa de mensagens de uma rede social. Informou que não tem nada
e também não recebe do governo. Por fim, bloqueou o acesso da reportagem ao seu
perfil.
Procurada por telefone, a CB News não atende às ligações.
Até a publicação desta reportagem, a Global Atacadista não se manifestou.
Prefeitura
Procurada pela reportagem da TV TEM, a Prefeitura de
Votorantim respondeu que mantém relação institucional com as empresas e que
elas são contratadas após apresentação de documentos e certidões obrigatórias.
A prefeitura informou que desconhece qualquer irregularidade.
Sobre a qualidade dos uniformes fornecidos pela CB News, e
que são alvo de reclamações das famílias dos alunos, a prefeitura informou que
no sistema municipal de ensino as roupas têm 99,7% de aprovação, considerando
que a Administração Municipal recebeu os pedidos e efetuou as trocas de somente
289 peças com defeito de fabricação. “O número representa apenas 0,3% do total
de 131.964 itens distribuídos aos estudantes neste ano”, informou em nota.
Laranjas
Para o Procurador de Justiça Roberto Livianu, presidente do
Instituto não Aceito Corrupção (Inac), é necessário apurar supostas
divergências entre contratos milionários de empresas com prefeituras e a
situação das pessoas apontadas como suas proprietárias.
Em entrevista à TV TEM, o procurador afirma que as
contradições descobertas durante a reportagem podem indicar o uso de laranjas.
“É absurdo que a empresa tenha esse faturamento e no quadro
social conste uma pessoa com condição de vida discrepante. É absolutamente
estarrecedor. É sinal óbvio de que tem coisa muito estranha aí, que precisa ser
investigada”, afirmou o procurador.
Segundo ele, o termo “laranja” refere-se a uma pessoa
colocada em um negócio ilícito de maneira fraudulenta. “Pode-se colocar a
pessoa em um contrato em que há superfaturamento, ou em prática de lavagem de
dinheiro. Usa-se o termo ‘laranja’ para uma figura que se coloca de maneira
indevida”, diz.
Para evitar esse tipo de fraude, o procurador afirma que é
necessária verificação da licitude das pessoas envolvidas nas contratações
realizadas pelo Poder Público.
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Mãe de estudante da rede municipal de Votorantim
mostra buraco em calça de uniforme novo, fornecido pela CB News em contrato de
R$ 7,6 milhões — Foto: TV TEM/Reprodução |
Qualidade
Enquanto isso, famílias de estudantes da rede municipal de
Votorantim se deparam com uniformes que apresentaram defeitos com uma semana de
uso.
Manga que não passa pelo braço, tênis com a ponta danificada
e tecido de qualidade inferior são problemas relatados por mães de alunos.
Para a reportagem da TV TEM, elas reclamam que as roupas
novas recebidas há poucos dias não tem condições de uso. As peças foram
entregues pela CB News no início de agosto aos estudantes das quase 60
instituições de ensino da rede municipal.
O procurador orienta que as famílias acionem a Promotoria do
Patrimônio Público do município para registrar as reclamações. “Desta forma, o
Ministério Público pode tomar providências”, explica.
Fonte: G1 – Sorocaba e Jundiaí
Jornalista: Wilson
Gonçalves Jr, TV TEM